sexta-feira, julho 31, 2009

Vulcões



-Florbela Espanca-

Tudo é frio e gelado. O gume dum punhal
Não tem a lividez sinistra da montanha
Quando a noite a inunda dum manto sem igual
De neve branca e fria onde o luar se banha.
No entanto que fogo, que lavas, a montanha
Oculta no seu seio de lividez fatal!
Tudo é quente lá dentro...e que paixão tamanha
A fria neve envolve em seu vestido ideal!
No gelo da indiferença ocultam-se as paixões
Como no gelo frio do cume da montanha
Se oculta a lava quente do seio dos vulcões...
Assim quando eu te falo alegre, friamente,
Sem um tremor de voz, mal sabes tu que estranha
Paixão palpita e ruge em mim doida e fremente!

Do Livro A Mensageira das Violetas

quinta-feira, julho 30, 2009

Julgando o Meu Próximo



-Paulo Coelho-


Um dos monges de Sceta cometeu uma falta grave,
e chamaram o ermitão mais sábio
para que pudesse julga-la.

O ermitão se recusou, mas insistiram tanto,
que ele terminou por ir.

Chegou ali carregando nas costas
um balde furado, de onde escorria areia.

- Vim julgar meu próximo - disse o ermitão
para o superior do convento.

- Meus pecados estão escorrendo detrás de mim,
como a areia escorre deste balde.
Mas, como não olho para trás,
e não me dou conta dos meus próprios pecados,
fui chamado para julgar meu próximo!
Os monges desistiram da punição na mesma hora.

Paulo Coelho em Diários

segunda-feira, julho 27, 2009

Não Pode Existir Amor .....



Não Pode Existir Amor Sem Verdadeira Troca
-Antoine de Saint-Exupéry-


Não te lembras de ter encontrado na vida
aquela que se considera um ídolo?
Que havia ela de receber do amor?
Tudo, até a tua alegria de a encontrares,
se torna homenagem para ela.
Mas, quanto mais a homenagem custa, mais vale:
ela saborearia melhor o teu desespero.


Ela devora sem se alimentar.
Ela apodera-se de ti para te queimar à sua honra.
Ela é semelhante a um forno crematório.
Ela, na sua avareza, enriquece-se de várias capturas,
julgando encontrar a alegria nessa acumulação.
E não acumula mais do que cinzas.
Porque o verdadeiro uso dos teus dons
era caminho de um para o outro, e não captura.


Ela verá penhores nos teus dons
e abster-se-á de tos conceder em paga.
Na falta de arrebatamentos que te satisfariam,
a falsa reserva dela far-te-á ver que
a comunhão dispensa sinais.

É marca da impotência para amar,
não elevação do amor.
Se o escultor despreza a argila,
terá de modelar o vento.

Se o teu amor despreza os sinais do amor
a pretexto de atingir a essência,
o teu amor não passa de um palavreado.
Não descuides as felicitações,
nem os presentes, nem os testemunhos.

Serias capaz de amar a propriedade,
se fosses excluindo dela, um por um,
como supérfluos, porque particulares demais,
o moinho, o rebanho, a casa?
Como construir o amor, que é rosto lido
através da urdidura, se não há urdidura
sobre a qual escrever?


Sem cerimonial de pedras, não haveria catedral.
Nem haverá amor sem cerimonial em vistas do amor.
Eu só atinjo a essência da árvore se ela modelou
lentamente a terra segundo o ceriomonial das raízes,
do tronco e dos ramos.

Nessa altura, ela é una.
Tal árvore e não uma outra.
Mas aquela acolá desdenha as trocas,
que a haviam de fazer nascer.
Ela procura no amor um objecto capturável.
E esse amor não tem significado algum.

Ela julga que o amor é presente que ela pode fechar nela.
Se tu a amas, é porque ela te conquistou.
Ela fecha-te nela, convencida de enriquecer.
Ora o amor não e tesouro a conquistar,
mas obrigação de parte a parte, fruto
de um cerimonial aceite,
rosto dos caminhos da troca.

Jamais essa mulher nascerá.
Só de uma rede de laços se pode nascer.
Ela continuará a ser semente abortada,
poder por empregar, alma e coração secos.
Ela há-de envelhecer funebremente, entregue
à vaidade das suas capturas.
Tu não podes atribuir nada a ti próprio.
Não és cofre nenhum. És o nó da diversidade.
O templo, também é sentido das pedras.


Antoine de Saint-Exupéry, in 'Cidadela'

sexta-feira, julho 24, 2009

O Sentido da Verdade



-Paulo Coelho-

Em nome da verdade, a raça humana
cometeu seus piores crimes.

Homens e mulheres foram queimados.
A cultura de civilizações inteiras foi destruída.
Os que procuravam um caminho diferente
eram marginalizados.

Um deles, em nome da "verdade",
terminou crucificado.
Mas - antes de morrer -
deixou a grande definição da Verdade.

Não é o que nos dá certezas.

Não é o que nos dá profundidade.

Não é o que nos faz melhor que os outros.

Não é o que nos mantém na prisão dos preconceitos.



A verdade é o que nos dá a liberdade.

"Conhecereis a Verdade,
e a Verdade vos libertará", disse Jesus.


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Paulo Coelho
in Fragmentos X
================

quinta-feira, julho 23, 2009

O Eterno Insatisfeito



Shanti percorria as cidades
pregando a palavra Divina,
quando um homem veio procura-lo
para que curasse seus males.

- Trabalhe, alimente-se, e louve a Deus
- respondeu Shanti.

- Quando trabalho, sinto minhas costas doerem.

Quando como, minha barriga queima com azia.
Quando bebo, minha garganta arde com a bebida.
Quando rezo, sinto que Deus não me escuta.

- Então busque outra pessoa para ensina-lo.

O homem foi embora, revoltado. Shantih comentou
com os que ouviam a conversa:

- Ele tinha duas formas de encarar cada coisa,
e escolheu sempre a pior.
Quando morrer, é possível que
também reclame do frio dentro do túmulo.

Fonte: Globo_98
(Sempre Poderemos Ver Diferente)

quarta-feira, julho 22, 2009

Para ser grande, sê inteiro...



Para ser grande, ser inteiro;
nada teu exagera ou exclui;
ser todo em cada coisa; põe quanto
és no mínimo que fazes; assim em cada lago,
a lua toda brilha porque alta vive.

Fernando Pessoa

segunda-feira, julho 20, 2009

Entre Amigos



O bom amigo é como uma concha rara encontrada
junto a uma praia tranqüila.
Quem descobre um amigo assim
ganha um presente inestimável de Deus.

Ter um amigo especial é uma verdadeira bênção
e prova que você também é especial.
Os amigos nos ajudam a nos conhecer um pouco melhor,
e a gostar de nós mesmos um pouco mais.

Boas amizades iluminam a mente, enriquecem o coração,
dão brilho à vida, dia após dia, ano após ano.

A amizade é tão necessária quanto o sol,
tão constante quanto as estrelas e tão gratificante
quanto a primavera depois de um longo inverno.

Ninguém sai pelo mundo afora à procura de amizade...
A amizade é algo que acontece naturalmente,
na hora certa, como o arco-íris no céu.

O mundo é tão amplo quanto o céu e tão infinito
quanto as estrelas cintilantes...
Quando duas pessoas se encontram na amizade
fica evidente a intervenção divina.

A amizade é uma brisa agradável que leva consigo
uma minúscula semente até o lugar exato
onde o amor precisa brotar.

Os amigos têm alguma coisa em seu caráter
que admiramos e desejamos acrescentar às nossas vidas.

Entre amigos existe uma honestidade,
rara em outros relacionamentos...
isso faz parte da magia da amizade.

Com um bom amigo, há uma interação incomparável.

Até partilhar o silêncio pode ser um prazer.
O esforço para superar as dificuldades
deste mundo agitado e complexo sobrecarrega
nossos corações... a amizade ajuda a suavizar
os obstáculos da vida.

Nas grandes amizades, o afeto imenso tudo perdoa
e tudo supera. Boas amizades não são medidas
pela freqüencia de telefonemas, cartas ou visitas...
mas são reconhecidas pela intensidade do tempo
e dos sentimentos partilhados.

Experiências partilhadas com confiança
e cooperação tornam a amizade autêntica e profunda...

Entre amigos há lugar para a seriedade
assim como para a brincadeira,
e inúmeras formas de demonstrar estima.

O tempo passa e rouba os dias e os anos.
As mudanças são muitas e freqüentes.
Elas sempre acontecerão...
mas uma boa amizade dura a vida inteira.



Autora: Lynne Gerard

do Livro Entre Amigos
Edições Paulinas

sexta-feira, julho 17, 2009

Poemeto Erótico



Teu corpo é tudo o que brilha
Teu corpo é tudo o que cheira
Rosa, flor de laranjeira
Teu corpo, claro e perfeito
Teu corpo de maravilha
Quero possui-lo no leito
estreito da redondilha

Teu corpo, branco e macio
É como um véu de noivado.
Teu corpo é pomo doirado,
Rosal queimado de estio
Desfalecido em perfume
Teu corpo é a brasa do lume

Teu corpo é chama
E flameja como à tarde os horizontes
É puro como nas fontes
a água clara que serpeja,
Que em cantigas se derrama,
volúpia da água e da chama

Teu corpo é tudo o que brilha,
Teu corpo é tudo o que cheira.

A todo momento o vejo
Teu corpo,
a única ilha no oceano do meu desejo.

Que não seja preciso mais
do que uma simples alegria
para me fazer aquietar o espírito.
E que o teu silêncio me fale cada vez mais
Porque metade de mim é abrigo
mas a outra metade é cansaço

Que a arte nos aponte uma resposta
mesmo que ela não saiba
E que ninguém a tente complicar
porque é preciso simplicidade
para fazê - la florescer
Porque metade de mim é a platéia
e a outra metade é canção

E que a minha loucura seja perdoada
Porque metade de mim é amor
e a outra metade...também.

Autor Manoel Bandeira

quinta-feira, julho 16, 2009

Eu Sei, Mas Não Devia



Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.

A gente se acostuma a morar em apartamento de fundos
e a não ter outra vista que não as janelas ao redor.
E porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora.
E porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir
de todo as cortinas. E porque não abre as cortinas,
logo se acostuma a acender mais cedo a luz.
E porque à medida que se acostuma, esquece o sol,
esquece o ar, esquece a amplidão.


A gente se acostuma a acordar de manhã,
sobressaltado porque está na hora.
A tomar café correndo porque está atrasado.
A ler jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem.
A comer sanduíches porque já é noite.
A cochilar no ônibus porque está cansado.
A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.
A gente se acostuma a abrir a janela e a ler sobre a guerra.
E aceitando a guerra, aceita os mortos
e que haja números para os mortos.
E aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz.
E aceitando as negociações de paz, aceitar ler todo dia de guerra,
dos números da longa duração.
A gente se acostuma a esperar o dia inteiro
e ouvir no telefone: hoje não posso ir.
A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta.
A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.


A gente se acostuma a pagar por tudo
o que deseja e o que necessita.
E a lutar para ganhar o dinheiro com que paga.
E a ganhar menos do que precisa.
E a fazer fila para pagar.
E a pagar mais do que as coisas valem.
E a saber que cada vez pagará mais.
E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro,
para ter com o que pagar nas filas em que se cobra.


A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes,
a abrir as revistas e ver anúncios.
A ligar a televisão e assistir a comerciais.
A ir ao cinema, a engolir publicidade.
A ser instigado, conduzido, desnorteado,
lançado na infindável catarata dos produtos.


A gente se acostuma à poluição.
À luz artificial de ligeiro tremor.
Ao choque que os olhos levam na luz natural.
Às besteiras das músicas, às bactérias da água potável.
À contaminação da água do mar.
À luta. À lenta morte dos rios.
E se acostuma a não ouvir passarinhos,
a não colher frutas do pé, a não ter sequer uma planta.

A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer.
Em doses pequenas, tentando não perceber,
vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali,
uma revolta acolá.

Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila~
e torce um pouco o pescoço.

Se a praia está contaminada,
a gente só molha os pés e sua no resto do corpo.

Se o trabalho está duro,
a gente se consola pensando no fim de semana.
E se no fim de semana não há muito o que fazer,
a gente vai dormir cedo e ainda satisfeito
porque tem sono atrasado.


A gente se acostuma para não se ralar na aspereza,
para preservar a pele.

Se acostuma para evitar feridas, sangramentos,
para esquivar-se da faca e da baioneta, para poupar o peito.

A gente se acostuma para poupar a vida.

Que aos poucos se gasta, e que, de tanto acostumar,
se perde de si mesma.

Autora: Marina Colasanti

quarta-feira, julho 15, 2009

Metade




- Oswaldo Montenegro-

E que a força do medo que tenho
não me impeça de ver o que anseio.
Que a morte de tudo o que acredito
não me tape os ouvidos nem a boca
Porque metade de mim é o que eu grito
mas a outra metade é silêncio.

Que a música que eu ouço ao longe,
seja linda, ainda que tristeza.
Que a mulher que eu amo seja pra sempre
amada mesmo que distante
Porque metade de mim é partida
e a outra metade é saudade.

Que as palavras que eu falo
não sejam ouvidas como prece
nem repetidas com fervor
apenas respeitadas
como a única coisa que resta
a um homem inundado de sentimentos
Porque metade de mim é o que ouço
mas a outra metade é o que calo.

Que essa minha vontade de ir embora
se transforme na calma e na paz que eu mereço
Que essa tensão que me corroe por dentro
seja um dia recompensada
Porque metade de mim é o que eu penso
e a outra metade é um vulcão.

Que o medo da solidão se afaste
que convive comigo mesmo
se torne ao menos suportável.
Que o espelho reflita em meu rosto
um doce sorriso
que me lembro ter dado na infância
Porque metade de mim
é a lembrança do que fui
a outra metade eu não sei.

Que não seja preciso mais
do que uma simples alegria
para me fazer aquietar o espírito.
E que o teu silêncio me fale cada vez mais
Porque metade de mim é abrigo
mas a outra metade é cansaço

Que a arte nos aponte uma resposta
mesmo que ela não saiba
E que ninguém a tente complicar
porque é preciso simplicidade
para fazê - la florescer
Porque metade de mim é a platéia
e a outra metade é canção

E que a minha loucura seja perdoada
Porque metade de mim é amor
e a outra metade...também.

Estrela



Oswaldo Montenegro

Pela marca que nos deixa
a ausência de som que emana das estrelas

Pela falta que nos faz
a nossa própria luz a nos orientar

Doido corpo que se move
é a solidão nos bares que a gente freqüenta
pela mágica do dia
independeria da gente pensar

Não me fale do seu medo
eu conheço inteira a sua fantasia
E é como se fosse pouca
e a tua alegria não fosse bastar

Quando eu não estiver por perto
canta aquela música que a gente ria
é tudo o que eu cantaria
e quando eu for embora você cantará...

terça-feira, julho 14, 2009

Evolução



Não pretenda que todos pensem como você.
Cada pessoa está num grau diferente de evolução,
num degrau diverso da grande subida.

Ninguém possui a verdade total
porque a Verdade Absoluta e total
é Deus, o Infinito.
Nenhum ser finito pode conter o Infinito.

Busque a Verdade para si mesmo,
mas não obrigue ninguém a pensar como você,
tanto quanto não gosta que os outros
lhe controlem o pensamento.


C.Torres Pastorino
Minutos de Sabedoria

segunda-feira, julho 13, 2009

Nunca Mais




-Florbela Espanca-

Ó castos sonhos meus! Ó mágicas visões!
Quimeras cor de sol de fúlgidos lampejos!
Dolentes devaneios! Cetíneas ilusões!
Bocas que foram minhas florescendo beijos!


Vinde beijar-me a fronte ao menos um instante,
Que eu sinta esse calor, esse perfume terno;
Vivo a chorar a porta aonde outrora o Dante
Deixou toda a esp'rança ao penetrar o inferno!


Vinde sorrir-me ainda!Hei-de morrer contente
Cantando uma canção alegre, doidamente,
A luz desse sorriso, ó fugitivos ais!


Vinde beijar-me a boca ungir-me de saudade
Ó sonhos cor de sol da minha mocidade!
Cala-te lá destino!... "Ó Nunca, nunca mais!..."

sábado, julho 11, 2009

...o teu dia


Amanhecendo, começa o teu dia
com alegria renovada
e sem passado negativo,
enriquecendo pelas experiências
que te constituirão recurso valioso
para a vitória que buscas.


Joanna de Ângelis
Divaldo Pereira Franco

sexta-feira, julho 10, 2009

O Socorro



Millôr Fernandes (Pif-Paf)

Ele foi cavando, foi cavando,
cavando, pois sua profissão
- coveiro - era cavar.

Mas, de repente, na distração do ofício
que amava, percebeu que cavara de mais.

Tentou sair da cova e não conseguiu.

Levantou o olhar para cima e viu que,
sozinho, não conseguiria sair. Gritou.

Ninguém atendeu.

Gritou mais forte. Ninguém veio.

Enlouqueceu de gritar, cansou de esbravejar,
desistiu com a noite.

Sentou-se no fundo da cova, desesperado.

A noite chegou, subiu,
fez-se o silêncio das horas tardas.

Bateu o frio da madrugada e, na noite escura,
não se ouvia mais um som humano,
embora o cemitério estivesse cheio dos pipilos
e coaxares naturais dos matos.

Só pouco depois da meia-noite
é que lá vieram uns passos.

Deitado no fundo da cova o coveiro gritou.
Os passos se aproximaram.

Uma cabeça ébria apareceu lá em cima,
perguntou o que havia: "O que é que há?"

O coveiro então gritou, desesperado:

"Tire-me daqui, por favor.
Estou com um frio terrível!".

!Mas coitado!! - condoeu-se o bêbado.

- "Tem toda razão de estar com frio".

Alguém tirou a terra toda
de cima de você, meu pobre mortinho!".

E, pegando na pá, encheu-a de terra
e pôs-se a cobri-lo cuidadosamente.


Moral: Nos momentos graves é preciso
verificar muito bem para quem se apela

quinta-feira, julho 09, 2009

Quem Deixará, do Verde, Prado Umbroso



-Miguel de Cervantes-
Tradução de Anderson Braga Horta



Quem deixará, do verde prado umbroso,
as frescas ervas e as lustrais nascentes?
Quem, de seguir com passos diligentes
a solta lebre, o javali cerdoso?

Quem, com o canto amigo e sonoroso,
não prenderá as aves inocentes?
Quem, nas horas da sesta, horas ardentes,
não buscará nas selvas o repouso,


por seguir os incêndios, os temores,
os zelos, iras, raivas, mortes, teias
do falso amor que tanto aflige o mundo?


Do campo são e hão sido meus amores,
rosas são e jasmins minhas cadeias,
livre nasci, e em livre ser me fundo.


De Poetas do Século de Ouro Espanhol

terça-feira, julho 07, 2009

O Lado Bom



Quero ser uma ilha,

um pouco de paisagem,

uma janela aberta,

uma montanha ao longe,

um aceno de mar.


Quando precisares de sonho,

de um canto de beleza,

de um pouco de silêncio,

ou simplesmente de sol e de ar.


Quero ser o lado bom

em que pensas,

isto que intimamente

a gente deseja

mas nem sempre diz

quero ser, naquela hora,

o que sentes falta

para seres feliz.


Que quando pensares

em fugir de todos ou de ti,

enfim penses em mim...


J G de Araujo Jorge

A Hora do Amor



Completamente bêbado de amor estou agora,
levantaram-se em minha alma as doçuras perdidas
as trêmulas campanas de uma vida sonora
carregam os celestes cansaços desta vida.

Vem crepúsculo morno, vem aurora rosada,
vem fragância de beijos, vem calor de mulher.
Tanto tempo já faz que não espero a amada,
que me mordem os cães do desejo e da sede.

Mas se bêbado vou de amor já não me importa,
a esperança longínqüa que não pode volver,
as minhas rosas levo se a vida me for curta,
é claro!, os meus rosais sei que vão florescer.

Se porém levo todo os meus rosais fechados
dá-me fraterna mão, dá-me um fruto Senhor,
da-me dois seios mornos e dois olhos amados,
porque sem eles, ai, que me vai ser do amor?

Pablo Neruda

domingo, julho 05, 2009

Fernando Pessoa



"Sou um guardador de rebanhos,
O rebanho é os meus pensamentos
E os meus pensamentos são todos sensações.
Penso com os olhos e com os ouvidos
E com as mãos e os pés
E com o nariz e a boca.

Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la
E comer um fruto é saber-lhe o sentido.

sábado, julho 04, 2009

O Turbante de Nasrudin





Nasrudin apareceu na corte
com um magnífico turbante,
pedindo dinheiro para caridade.

- você veio me pedir dinheiro,
e está usando um ornamento muito caro na cabeça.
Quanto custou esta peça extraordinária?
- perguntou o soberano.
- Quinhentas moedas de ouro
- respondeu o sábio sufi.

O ministro sussurrou:
"É mentira.
Nenhum turbante custa esta fortuna".

Nasrudin insistiu:

- Não vim aqui só para pedir,
vim também para negociar.

Paguei tanto dinheiro pelo turbante,
porque sabia que, em todo o mundo,
apenas um soberano seria capaz de compra-lo
por seiscentas moedas, para que eu pudesse
dar o lucro aos pobres.

O sultão, lisonjeado, pagou
o que Nasrudin pedia.
Na saída, o sábio comentou com o ministro:

- Você pode conhecer muito bem
o valor de um turbante, mas sou eu
quem conhece até onde a vaidade
pode levar um homem.

Paulo Coelho
em Globo 137
(Lendas Sufis)

quarta-feira, julho 01, 2009

Loucura e Razão



"Sempre há um pouco de loucura no amor,
porém sempre há um pouco de razão na loucura".

Friedrich Nietzsche